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Inconstitucionalidade da norma que consagra o direito de preferência de certos inquilinos

  • 21 de jul. de 2020
  • 4 min de leitura

O recente Acórdão N.º 299/2020 que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, por violação do n.º 1 do artigo 62.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, da Constituição.

Este Acórdão surge na sequência de um pedido de fiscalização sucessiva e declaração de inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 1091.º n.º8 do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 654/2018, de 29 de Outubro por parte de um grupo de trinta e seis deputados da Assembleia da República.

O artigo do Código Civil cuja apreciação foi requerida tinha o seguinte teor:

“Artigo 1091.º

Regra geral

1 - O arrendatário tem direito de preferência:

a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes;

b) Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado.

2 - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º

3 - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º

4 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção.

5 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes.

6 - No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto.

7 - Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo.

8 - No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições:

a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão;

b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior;

c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado.

9 - Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade.”

O grupo de deputados entendeu que a referida normal violava os artigos 62.º n.º 1 e 2, conjugado com o artigo 18.º n.º2 da Constituição porquanto criou um regime especial de preferência no contrato de arrendamento para fins habitacionais, relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, concedendo ao arrendatário o direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma.

Nos termos dessa norma, constante de diploma anteriormente vetado pelo Presidente da República e só promulgado depois de reformulado pela Assembleia da República, o direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão e a aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado.

O Tribunal Constitucional na sua apreciação considerou, em primeiro lugar, que “A possibilidade que assiste ao legislador de restringir o direito de propriedade para proteger a estabilidade na habitação do arrendatário, revelada no artigo 65.º da CRP, não é ilimitada, na medida em que está, desde logo, vinculada pelo princípio da proporcionalidade.”

No entanto, os juízes do Tribunal Constitucional entenderam que a norma posta em crise “afeta o direito de transmissão da propriedade, no sentido restrito de direito de não ser impedido de alienar o prédio. Nesta dimensão, a norma tem que ser considerada como verdadeira restrição do direito fundamental de propriedade, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias. Estão em jogo dois direitos de natureza diversa – o direito de propriedade e o direito de habitação – em que a proteção deste importa a supressão ou oneração de elementos estruturais daquele.”

Concluindo “que a possibilidade da preferência numa quota do prédio não permite alcançar os objetivos que estão na sua base, pois dessa forma o inquilino não acede de imediato à propriedade da habitação, nem se consegue eliminar a eventual especulação imobiliária.”, mais referindo “que o regime especial de preferência contido no n.º 8 do artigo 1091.º sacrifica excessivamente o direito à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional.”.

O Tribunal Constitucional decidiu que a norma prevista no artigo 1091.º n.º8 do Código Civil viola o artigo 62.º da Constituição, o qual estatuí que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte”, conjugado com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Este último refere que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

O Tribunal Constitucional declarou assim, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que atribuiu ao arrendatário para fins habitacionais de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal o direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, por violação do direito de propriedade privada.

Sublinha-se que a decisão do Tribunal Constitucional não foi unanime, visto terem sido apresentados três declarações de voto de vencido.


David Pinheiro

Advogado/Consultor

 
 
 

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